– por Mariana Zambon Braga
Hoje é uma data que me traz sentimentos conflitantes. Comemoramos as lutas que nos propiciaram à conquista de diversos direitos para a mulher, como o direito de votar, trabalhar, estudar, ser sexualmente livre e independente (estes dois últimos um tanto quanto questionáveis). Ao mesmo tempo, analisando o panorama do nosso país e do mundo, a sensação que se tem é a de que não chegamos a lugar algum. Faz tanto tempo que estamos reivindicando exatamente as mesmas coisas e, em diversas ocasiões, quando parece que chegamos a um ponto satisfatório, perdemos em alguma frente.
É cansativo. É inacreditável ainda ter que protestar, explicar, ser silenciada em conversas por homens que julgam conhecer mais do que nós a nossa própria realidade.
Eu gostaria de me sentar aqui na frente do computador e dizer frases de efeito e motivadoras. Destrinchar todas as vitórias, histórias de luta e superação para inspirar a nossa jornada e abrir um sorriso no seu rosto. No entanto, me falta uma boa dose de ânimo.
É claro que os espaços que ocupamos na sociedade são cada vez maiores, que estamos mais unidas e fortalecidas, que a nossa voz às vezes parece muito mais forte do que no passado. Estamos vivendo um momento crucial de reflexão, reconhecimento e organização das mulheres, algo que pode ser o prenúncio de um levante feminino como nunca vimos antes. Ou será que estou sonhando demais?
Há cerca de cinquenta anos, o movimento feminista como o conhecemos hoje reivindicava igualdade salarial e melhores condições de trabalho para mulheres, principalmente as mães. As mulheres marchavam pela divisão das tarefas domésticas e do cuidado com os filhos, pelo fim da dupla jornada de trabalho, pelo respeito e pela não objetificação da mulher. Meio século depois, continuamos gritando e clamando pelos mesmos direitos.
A única coisa em que consigo pensar neste dia é no quão cansada estou por sempre ter que repetir as mesmas coisas, a cada ano que passa. Em 2016, escrevi um texto no meu blog pessoal, dizendo resumidamente o seguinte:
Durante trezentos e sessenta e quatro dias do ano, somos repudiadas, silenciadas, tratadas como seres inferiores, mas, em um dia do ano, temos uma enxurrada de elogios e flores e mensagens com conteúdos melosos em todos os lugares. Como se esta migalhas saciassem nossa fome por igualdade e justiça. Como se fôssemos dignas de respeito e admiração apenas neste dia, e apenas da maneira que convém aos outros.
Alguma coisa mudou? Talvez você seja uma mulher sortuda, como eu, que convive com um homem que te respeita, e isso seja algo que faça toda a diferença no seu microcosmo. Talvez você tenha o privilégio de trabalhar e conviver em espaços mais seguros e onde o machismo é menos escancarado. E quanto ao resto do mundo? É impossível viver isolada em uma bolha de amor e desconstrução o tempo todo. Conclusão: temos que continuar levantando a nossa voz, mesmo que isso seja cansativo.
Porque ter que falar o tempo todo que não somos obrigadas a aceitar os padrões de beleza, que não precisamos nos enquadrar no conceito de feminilidade, que ninguém deveria nos dizer como e quando e quem devemos amar, que, afinal, somos gente, somos humanas e merecemos viver de forma digna – isso deixa qualquer uma exausta.
Porém, não é por isso que vamos parar de lutar ou nos calar. Diante de tudo isso, gostaria de propor uma reflexão, nesta data que serve justamente para isso: qual é a nossa estratégia para alavancar as mulheres ao nosso redor, incluindo nós mesmas? O que eu, você, nós, juntas ou em nossos contextos individuais, podemos fazer, ou continuar fazendo, ou fazer melhor, para que as pautas que reivindicamos há mais de meio século deixem de ser lutas e se transformem em conquistas?
Quando o Dia Internacional da Mulher remeter apenas à memória das lutas passadas, e não à necessidade constante de batalhar por coisas básicas, como a liberdade de andar na rua sem ser assediada, então será um dia para, de fato, comemorar com a alma leve. De receber flores sem sentir seus espinhos ou um nó na garganta ao lembrar de todas as vezes que tivemos que engolir a seco o descaso de um chefe, os risinhos dos colegas de trabalho que nos menosprezam por causa de nosso gênero, entre tantas outras violências, simbólicas ou reais, que sofremos no dia a dia.
Para hoje, o meu desejo é que todas nós sejamos inspiração umas para as outras. Que possamos encontrar umas nas outras apoio, acolhimento, empatia, poder, força, amizade e aprendizado. Por nós, para nós, juntas, nem uma a menos, somos fortes, melhores e maiores. Podemos estar cansadas, exaustas, perplexas por ainda ter uma distância enorme a percorrer. Mas as nossas lutas, políticas, pessoais, sociais, jamais serão em vão.
Avante!
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Mariana Zambon Braga
Responsável pela redação da Rede, é tradutora de inglês, formada em letras pela USP.
Atua nas áreas de: contratos, traduções técnicas, traduções literárias, artigos e monografias. Escritora por vocação e realizadora por necessidade.
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